sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Canalha do Sol

E ela fez de novo, como se o vermelho derramado com salgado já não fosse suficiente. Prometeu que jamais aconteceria outra vez, jurou diante do espelho, selou com lágrimas. "Jamais me apaixonarei outra vez".
Pobre menina, teve a alma fisgada pelo olhar bandido de refém do sol. Podia sentir naqueles lábios o gosto de luz, nas mãos sentia o ardor, pecado, inferno sedutor. O cheiro era de pôr-do-sol.
Como qualquer infrator, ele cuspia na lei. Complicado e perfeitinho, jogou fora o fim de erva queimada. Depois de aproveitar a viagem, de revirar a mente, de suar no corpo inocente, da fome carnal, enfim, o fim.
E de queixo pro sol, ela chorou sorrindo.
"I know I hurt you, I know I hurt you".

Sete Cores e Sete Segredos

Eu não sei a quantas anda o arco-íris. Esqueci de contar as moedas de ouro do Fim, e só tarde demais descobri que precisaria delas. Cada uma delas. E do duende! Me disseram que seria ele que contaria a história das cores. Na verdade eu só quis saber do Vermelho e do Anil, mesmo tendo o Amarelo sido tão simpático.
Fui embora e esqueci de dar tchau. Achei que voltaria logo, que o duende havia gostado dos caramelos e da tarde chuvosa, mas eu não voltei. Quem me levou ali não quis me mostrar como chegar, ou como voltar.
Bem que me disseram, que depois de encontrar uma vez o Fim, não se encontra outro. É só uma vez, e você nunca esquece. E depois quer mais, e espera ansioso pela próxima chuva e pelo próximo arco-íris.
Agora, naqueles dias que chamam de casamento de espanhol, é só surgir o Vermelho que a Nostalgia vem me visitar. Ela sim sabe como voltar, como ir, como vir. E sempre se lembra de deixar uma lágrima.
Só não deixo de pensar, que como em toda gota d'água, a da lágrima também carrega as sete cores, os sete segredos, o Fim, e aquele começo do beijo sem cor, que aos poucos foi se colorindo, e que no final ficou sem cor de novo.

Tão Tarde Até Que Arde

Eram brincadeiras do relógio. Se pudesse soar algo, além do tic tac contínuo na noite, seriam risadas. Sempre depois das onze. Se olhasse pro analógico, os ponteiros estariam formando um sorriso torto, de lado, apontando pra onde os olhos não enxergavam, mas onde a mente via. Lembrou do gato, e dos caminhos caducos; do Rei e da Lua; das estrelas com cheiro de mato; dos pássaros e da casa sozinha.
O sorriso só surgiu ao lembrar do gosto azedo e gelado, de que nunca se lembraria de um jeito só. A cada passeio de idéias, sabia que mais um detalhe escaparia. E sabia mais ainda que sorriria como Alice, quando lembrasse. O pior era saber que Alice volta pra casa no fim.
E o corpo amolecia, e a boca se enchia com gosto de céu. Marshmellow, jujuba e marrom glacê. O relógio brincava, enquanto os olhos quase fechavam. Deixou de sorrir.
Hora de dormir.

Reféns do Sol

Janela sem cortina, bom pra fumaça. Vergonha zero, bom pra ele. Sol das duas, ultravioleta, ruim pra eles.
E se risadas forem diretamente proporcionais ao tempo, e o tempo for diretamente proporcional ao calor, estava muito quente, e o tempo passava rápido demais.
E o pecado os mantinha onde estavam, reféns da luz picante.
E com certeza a cor do dia foi rosa. E da cor do sol, se ele tiver uma. Só pra colorir.

O Dia da Noite

Abriu os olhos e ergueu-os para o alto, quase que esquecendo, por um segundo, do calor vivo ao seu lado.
O céu tinha, sem dúvida, um poder enorme sobre seus olhos, sua mente, seu corpo. Deixou-se perder nos incontáveis pontinhos faiscantes do breu, como quem se entrega a um amante.
Se quer preocupou-se com o tempo. Na verdade, nem lembrou-se dele. Permitiu, que pelo menos por uma noite, o infinito a guiasse por onde quisesse.
Ao seu lado, o único motivo que a matinha sem medo de ser engolida pela Via Láctea; segurava sua mão e não deixava que se agarrasse nas caudas da estrelas cadentes.
No silêncio sem Lua, sentia-se o pulsar vermelho das mãos entrelaçadas, e o palpitar dos dois corações beiravam o Olodum.
Mas a Noite não dura pra sempre, e o Sol acordou guloso, devorando as estrelas, ofuscando os olhos dos viajantes.
E então, a Noite deitou-se e dormiu.